Criar uma Loja Virtual Grátis

História: Uma ciência sempre em construção

História: Uma ciência sempre em construção

UMA VISÃO DE CIÊNCIA


Podemos considerar e definir ciência como as atividades, as instituições e os métodos ligados ao conhecimento. Não podemos esquecer o papel dos conteúdos que são resultados da soma dos conhecimentos científicos disponíveis num dado momento. Nesse ponto que definiremos ciência, como um tipo especial de conhecimento, e a maneira que obtemos esse conhecimento específico. O método no conhecimento científico é uma das coisas fundamentais, através dele que alcançamos e justificamos nossos resultados na pesquisa.


O que distingue o conhecimento científico da outras modalidades de conhecer é que o primeiro dever ser verdadeiro. Mas, no fundo é a maneira de decidir o que é ou não é verdadeiro, que diferencia o conhecimento científico dos outros, afinal muitas coisas são consideradas verdadeiras, porém não são científicas. Essas coisas consideradas verdadeiras, mas que no fundo não são, podem estar apoiadas em diferentes formas não científicas para constatar sua veracidade,
entre elas, estão: critério subjetivo, gostos e preferências individuais; critério dogmático, seguindo pelo princípio de autoridade; critério pragmático, quando é útil a alguma finalidade definida. A ciência não pode se basear em modalidades do tipo citado acima para decidir se algo é verdadeiro. Mário Bunge define a ciência como um “conhecimento racional, sistemático, exato, verificável e conseguinte falível” (BUNGE, citado por CARDOSO, 1981, p. 13). Ela deve procurar a verdade de um modo específico, se interessando pelo conhecimento objetivo. Para tanto, seu
método procura verificar, controlar e corrigir os novos conhecimentos, contrastando com os anteriores, acrescentando a observação sistemática dos fatos empíricos e realizando experiências controladas. Desta forma, definimos o método como o conjunto de recursos que a ciência dispõe para resolver problemas verificáveis e contrastáveis, além de submeter à prova os resultados sugeridos por tais problemas.


No século XVII já eram identificados quatro aspectos presentes no processo do conhecimento científico, são eles: os fatos empíricos, a formulação de teorias gerais, a dedução dessas consequências, e as confirmações das teorias. Dependendo da ordem que se opera com esses aspectos, diferentes formas de soluções para os mesmos problemas são sugeridas. “A dificuldade central decorre da existência, na forma de conhecimento que chamamos ‘ciência’, de dois níveis qualitativamente distintos, específicos e sem dúvida ligados entre si, mas cada um possuindo uma
relativa autonomia em relação ao outro: o nível teórico e o nível empírico” (CARDOSO, 1981, p. 14)


A grande frustração decorre da elaboração de uma teoria unificada do conhecimento científico, sua obtenção não pode deixar de respeitar a autonomia dos níveis mencionados, ou subordinar um pelo outro. É possível distinguir o surgimento de duas etapas, em uma os esforços se concentram no descobrimento de leis científicas, definindo ciência como conhecimento necessário e verdadeiro. Na outra, reconhece a dificuldade da primeira proposta e procura uma lógica que adote as teorias científicas e aceite o caráter falível da ciência, cujas verdades são parciais e provisórias. A
passagem de uma etapa a outra se deu em um logo período, se concretizando no final do século XIX e início do XX.


As questões teóricas são fundamentais na formulação das hipóteses, estas dependem do lado criativo do cientista, não resultam de simples combinações de sensações ou dados empíricos, embora estes influenciam na sua comprovação. As teorias que num dado momento parecem verdadeiras são superadas por outras mais gerais, em função de descobertas posteriores, porém as teorias mais antigas não são abandonadas, mas incorporadas as mais recentes em virtude da parte da verdade que ela contém. O caráter falível da ciência não impede que seu caminho seja continuo. “O objeto do conhecimento é infinito, tanto se se trata do objeto captado como um fragmento ou aspecto qualquer da realidade. Com efeito, tanto a realidade na sua totalidade quanto cada um dos seus fragmentos são infinitos, na medida em que é infinita a quantidade das suas correlações e das suas mutações no tempo.” (SCHAFF, 1995, p.112). Adam Schaff acredita que o conhecimento de um objeto infinito deve ser necessariamente um processo infinito, e que acumule verdades parciais. Essas verdades vão enriquecendo nosso conhecimento, sabendo que o conhecimento total não pode ser atingido, sendo sempre um devir infinito.

Na segunda metade do século XIX deixou de ter sentido a procura de uma lógica de descobrimentos de leis cientificas, já que nessa época as leis eram consideradas eternas e imutáveis e o conhecimento científico absolutamente verdadeiro. Nesse período surge uma posição materialista que vê a ciência refletindo a própria realidade, mesmo se essas verdades e teorias sejam parciais e falíveis. Aparecem também outros que acreditavam que a ciência não busca a verdade, mas sim a classificação dos dados da experiência, surgindo uma nova corrente idealista. Ciro Flamarion Cardoso, em um capítulo do seu livro discute se a História é uma Ciência. Entra nos detalhes de algumas teorias e de alguns métodos relacionados ao problema da cientificidade da História. A Matemática é considerada uma ciência, pois seu método permite sua comprovação com grande margem de certeza. Em contraponto as ciências ditas factuais (a História é uma delas) estão mais passíveis de interpretação e podem ser falsificadas. Na tentativa de apontar algumas características das ciências factuais e diferenciá-las da lógica e da matemática, o autor aponta cinco pontos fundamentais: 1º. Ciência é o conhecimento das leis da natureza e da sociedade, buscando a representação mental mais adequada possível; 2º. Para chegar ao conhecimento objetivo emprega um conjunto definido de formas de agir (método científico); 3º. Existem dois níveis no método cientifico, o teórico e o empírico; 4º. O sujeito do processo de
conhecimento científico não é individual e sim coletivo; 5º. A ciência é histórica e, portanto falível, não pretende acumular verdades eternas, mas acumular verdades parciais.


A cientificidade da História


Desde a Antiguidade encontramos esforços para obter certo rigor metodológico nos escritos dos primeiros historiadores, mas foi a partir do século XVI que percebemos uma preocupação mais sistematizada com essa forma de conhecimento. O humanismo trouxe exigências mais científicas em relação a definição e a prática da História. Um exemplo é a aceitação de fatos e textos como verdadeiros após minuciosa verificação. Essa é uma condição fundamental para a constituição da História como ciência, afinal, como buscar um conhecimento verdadeiro com dados falsos? No século XVII, essa idéia progride compreendendo que através de indícios materiais podemos constatar a autenticidade ou falsidade de um documento.


O século XVIII trouxe o avanço no campo da teoria e das concepções da História. Já existia quem defendesse o caráter cíclico no desenvolvimento das sociedades humanas. Tornou-se mais explicativa, onde os fatos poderiam ser objetos de conhecimento científico e havia também a possibilidade de previsibilidade de tais fatos. O século XIX se mostra bem frutífero na construção da história-disciplina. Desenvolvem-se novas técnicas filológicas, arqueológicas, entre outras que ajudaram na crítica externa e interna das fontes.


Surgem escolas que gozaram e ainda gozam de grande prestígio, fora do mundo dos historiadores de carreira, surge o materialismo histórico de Marx e Engels, considerado a primeira 298 teoria coerente das sociedades humanas, tanto em suas leis estruturais como nas dinâmicas. As duas correntes que mais influenciaram na construção da visão da História como ciência estavam ligadas as ideias vinda do marxismo e da Escola dos Annales. Para o marxismo a realidade social é mutável e dinâmica, as mudanças são regidas por leis cognoscíveis que permitem explicar a gênese, a transformação e a transição para um novo sistema. O marxismo procura a união das análises de leis dinâmicas e estruturais para o desenvolvendo de uma visão integrada do processo histórico-social, afastando do âmbito explicativo qualquer pensamento metafísico ou entidades externas ao processo histórico, como também, determinismos geográficos ou alguma lei biológica.


O Materialismo Histórico é uma tentativa de explicação científica da sociedade. Interessanos aqui a concepção de ciência baseada no marxismo em dois sentidos: uma é a não aceitação da posição unilateral que tenta reduzir o nível teórico ao empírico ou vice-versa, outra é a não separação do conhecimento científico do conjunto das formas de atividade e cultura humana. O conhecimento científico não é uma atividade individual, é uma extensão das formas socioeconômicas derivadas da atividade humana. Considerando essa afirmativa, não é possível entender a ciência sem levar em conta a ligação da cultura material com as consciências dos homens numa dada sociedade, Para Marx o modo de produção da vida material e que determina a vida social, não sendo a consciência determina a existência, mas a existência social que determina sua consciência.


Mesmo sendo um grupo heterogêneo, os integrantes da Escola dos Annales tinham concepções fundamentais em comum, como: a passagem da história narrativa para a história problema, o que implicou o uso de hipóteses pelos historiadores; a crença do caráter científico da História e da aproximação dela com outras ciências sociais; busca de uma síntese estrutural dos diversos aspectos sociais, utilizando todos os tipos de fontes disponíveis; a quebra do tempo simples e linear e a ligação inseparável entre presente e passado. Os Annales “proponham uma históriaproblema, viabilizada pela abertura da disciplina às temáticas e métodos das demais ciências humanas, num constante processo de alargamentos de objetos e aperfeiçoamento metodológico.” (CASTRO, 1997, p. 45)


Existem pontos de confluência e divergência no que se refere à concepção de História da Escola dos Annales e dos teóricos marxistas. As duas correntes se desenvolveram em permanente contato e suas idéias formam a base para o desenvolvimento do conhecimento histórico e de um conjunto de métodos que reforçam o caráter da História enquanto ciência. Entre outras ações, qualquer trabalho que pretenda refletir a cientificidade da História, deve entre outras coisas buscar “o reconhecimento da necessidade de uma síntese global que explique ao mesmo tempo as articulações entre os níveis que fazem da sociedade humana uma totalidade estruturada, e as especificidades do desenvolvimento em cada nível”. E entender “que a consciência que os homens de determinada época têm da sociedade em que vivem não coincide com a realidade social de tal época”. (CARDOSO, 1981, p.38) 


Em um livro clássico de Marc Bloch (2002) a História é definida não como ciência do passado, mas como “ciência dos homens no tempo”. Outros acreditam que isso não é possível porque o objeto da História são fatos únicos e singulares, portanto não passíveis de lei. Só que é exatamente isso que cabe ao historiador, enquadrar os acontecimentos na medida adequada para que possam ser explicados. A visão de Marc Bloch e de outros historiadores é das sociedades humanas estruturadas globalmente e com especificidades históricas determinadas, podendo ser complexa, mas passíveis de conhecimento mesmo com regularidades e determinações. “Assim como o historiador seleciona do oceano infinito dos dados os que têm importância para seu propósito, assim também extrai da multiplicidade das sequências de causa e efeito as historicamente significativas...” (CARR, 1996, p. 136)


Essas correntes em certo sentido pregão a razão e o método científico das ciências naturais para as ciências sociais. Ciro Flamarion Cardoso entende essas correntes como “moderna” ou “iluminista”. Os historiadores que seguem essa tendência analítica escrevem uma História “que pretendem científica e racional (...) voltavam-se sempre para a inteligibilidade, a explicação, a expulsão ou pelo menos a delimitação do irracional, do acaso e do subjetivo (...). Trata-se de uma história analítica, estrutural” (CARDOSO, 1997, p. 4).


O paradigma que hoje é denominado pós-moderno vem combatendo as correntes resumidas nos parágrafos anteriores desde os anos 70 do século passado. Esse novo modelo de abordagem também se refletiu nos estudos históricos, sua noção que é aceita entre alguns historiadores considera que a história-disciplina “é um discurso mutável e problemático – ostensivamente a respeito de um aspecto do mundo, o passado – produzido por um grupo de trabalhadores cujas mentes são de nosso tempo e que fazem seu trabalho em modalidades mutuamente reconhecíveis que são posicionadas epistemológica, ideológica e praticamente; cujos produtos, uma vez em circulação, estão sujeitos a uma série de usos e abusos” (CARDOSO, 1997, p. 19), portanto, não há História, há histórias, nem mesmo há necessidade de criar modelos explicativos globais, o que se privilegia no paradigma pós-moderno é a multiplicidade de interpretação.


Apontamentos finais


Quando buscamos a verdade na História temos que pensar que essa verdade tem um limite. O que será considerado como aceitável ou não, dependerá de uma série de procedimentos que o historiador tomará junto às fontes (qualquer registro da atividade humana), e pela escolha de conceitos. A parte mais importante e difícil é o trabalho analítico e de síntese, pois essa tem o papel de construir uma explicação. “Com certeza, esse tipo de verdade é mais móvel, mais passível de reavaliação, mas isso não quer dizer que não existia produção de conhecimento na História ou que o conhecimento produzido por essa disciplina não seja rigoroso.” (DE DECCA, p. 17) Afirmar que a verdade no campo da História tem um caráter diferente, não pode ser confundido que essa verdade não exista ou que seja imposta sem a possibilidade de verificação. A História não se confunde com uma opinião, embora suas verdades possam ser contestadas no futuro. O conhecimento produzido pelos historiadores em determinado período é provisório, pois quando no futuro uma nova fonte e descoberta há possibilidade de alterá-lo. È também descontínuo e seletivo, afinal não se pode estudar toda a história dos homens em seus diversos aspectos, sendo assim o historiador delimita o seu problema e seu objeto. Portanto, como em outras áreas, o conhecimento histórico é limitado, conhecer é tarefa continua e infinita, mas não quer dizer que não seja verdadeiro. 


Em seu ofício, o historiador de um lado seleciona as fontes que julga mais relevantes e que estão sob seu conhecimento. Por outro lado, faz várias perguntas para essas fontes, com as quais retira as informações para construir o conhecimento. Este que pode ser considerado como a própria história, surge do diálogo entre a documentação e a pergunta feita pelo historiador. Seus objetos, que são os fatos históricos, acontecem, e ficam registrados pelas suas evidências e pelos reflexos na sociedade. “Cada historiador faz perguntas diferentes e procura selecionar o material que possa responder a essas perguntas. Isso não significa que a História, com ‘h’ maiúsculo, seja a simples somatória das várias histórias escritas. Para conhecer o passado dos homens não basta juntar tudo que já foi dito sobre eles. É preciso compreender como cada aspecto da vida humana e dos universos sociais se relacionam uns com os outros.” (DE DECCA, p. 20)


Indiscutivelmente nos tempos atuais a História deve ser considerada um objeto de estudo com vista à elevação da disciplina em patamares considerados científicos, e que tenha aplicação na vida prática. A natureza peculiar do conhecimento histórico exige que sua disciplina tenha por princípios a valorização do conhecimento prévio e uma abordagem que objetive a construção da consciência histórica. Através da história que podemos entender e explicar como as sociedades que viveram no passado cometeram erros que hoje não se comete mais devido ao acumulo de conhecimento e informações assimiladas pela humanidade que registraram suas experiências bem e mal sucedidas. A ciência é um esforço continuo que sempre irá requerer novas soluções para novos problemas que nos guiem por novos caminhos.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


BLOCH, Marc. “Apologia da História ou o ofício do historiador”. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2002.
CARDOSO, Ciro Flamarion.”Uma introdução a História”. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1981.
CARDOSO, Ciro Flamarion. "História e Paradigmas Rivais" in: CARDOSO, Ciro Flamarion e
VAINFAS, Ronaldo. Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997.
CARR, Edward Hallett, “Que é História”, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1996
CASTRO, Hebe. “História Social” in: CARDOSO, Ciro Flamarion e VAINFAS, Ronaldo.
Domínios da História. Ensaios de Teoria e Metodologia. Rio de Janeiro : Campus, 1997.
DE DECCA, Edgar S. et ali. “História”. São Paulo: Editora Globo. s/d.
SCHAFF, Adam. "História e Verdade". São Paulo, Martins Fontes, 1995.